O Lutador Leal

Faz-se ágil o lutador em seu preparo íntimo, trancado em seu bunker, recoberto de suor e de massas apropriadas para o confronto com o espelho que o desperta. Ele concentra-se sem sutilezas, interessa-lhe apenas ocultar seu próprio medo e vencer seu suposto opositor, por quem a propósito do confronto, é saudável nutrir algum desprezo e fraternos os gestos hiperficiais. Leal entendeu as ardilezas do combate e a necessidade de suster seu oponente no nível de um grande adversário, de um respeitável veterano, ou de um jovem ascendente.
Em outros tempos, quando a precoce ascenção era apenas uma auto-promessa e suas mãos ainda tremiam antes de calçar as luvas, como se fossem as de uma criança matreira que ousou enfiá-las nas luvas do real lutador, ele fora educado para ser leal, mas deseducou-se seriamente para ser destemido e altivo. A lealdade permaneceu estampada em acrílica com brilho na superfície dos seus olhos, e dos assoalhos, acostumou-se com o olor da humildade dos leais impregnada.
Em sua cartilha essencial estavam sublinhadas e repetidas as notas que o condicionariam e o formariam um lutador profundamente competitivo e vivo sobretudo; Um grande lutador deve transpirar a lealdade para alcançar a leveza e a crueldade, por quais o público anseia e vibra. Deve verter algum sangue e ser lesto ainda, deve apresentar publicamente as escoriações entre as marcas que já se acomodaram no rosto de bravo, e deve oferecer a mão ao seu oponente.
Sobre o olhar, lá está; o olhar é impressionantemente capaz de entorpecer e de encantar, tanto o público como o opositor, e mesmo o entorpecido espelhado. Mas o olhar do bravo não pode, jamais, refletir nem uma breve sombra das ondas que acumulam as sinapses de desespero, e o desespero pasmifica e abrevia os mais certos nocautes.
O olhar deve ter ainda o real, e o brilho dos olhos dos peixes das bancas boas, deve parecer vivo mesmo morto, ainda que desfigurado e debaixo dos inchaços e endemas.
A lealdade garante o bom-sucesso, deve estar nas falas e nas entrevistas, no olhar-de-peixe-morto, nos abraços e nos apertos de mão aos comentaristas, e em porções do seu pseudo isotônico. Mas lealdade não garante pódio, previne a dispersão dos bons e contemporiza o abandono, se acomoda no assoalho condenado e no porcelanato em cacos, como odor e sódios. A virtude do leal poderá elevá-lo ao humano e ao ireal, e toda a composição mítica do assoalho estará viva e desvelada, pronta sob os seus pés, no suor da madeira velha, e no cheiro dos abatidos que vagará diariamente por meio dos outros fracos.
O real lutador está entre os olhares francos e os dissimulados, joga com seu desafiante exibindo sua destreza, mas comedindo ainda, e, estrategicamente, a potência dos seus golpes, se fundamenta na frequência mediana e preservativa, e nos socos despretenciosos, –a precocidade é menos lucrosa, e para a realidade sonhada é preciso sentir o tempo preciso de deferir o penúltimo golpe–.
Por fim, está seguro que logo o parvo oponente estará ao ponto de beijar a lona, e assim repetidas vezes, como se o parvo fosse um bravo pendulando entre a duvidosa decadência e a iminente reação.
Então… Slowly and almost fired, cai o pobre investidor. A mistura de fluídos cairá logo após o seu corpo desprendido e flácido. O lutador leal não estenderá a sua mão ao adversário exposto, mas o público sentirá a intenção de reerguê-lo, pura tecnologia.
E aí está o maior dos riscos; Se o leal subjulgar o real durante a contagem da decomposição, e se este compadecer-se ou perder o equilíbrio técnico, e o desmedido desafiante erguer-se do vazio com toda a sorte deste mundo e, num golpe, o demetido atrever-se a derrubar o combinado, a luta estará entregue.
Portanto, mantenha a qualquer custo a coragem, e não tema a recomposição, mesmo comprada. E se numa holografia repentina ele reerguer-se, derrube-o novamente, faz de conta que está no trato!
A vida nos ringues já imprimu ilusões mais excitantes e lutadores mais vivos e concentrados que os ireais, por isso a única lealdade que lhe interessa criar é a que permitirá expor algum vigor do seu adversário, para que ao vencê-lo, o real se consagre absoluto. A lealdade, com sorte, engrossa o cortejo. POW!

Alexandre Casagrande

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